sexta-feira, 13 de julho de 2012

Nada vale menos que o dinheiro...

Antes de ir se deitar, reparou nos objetos da sala. 
Detalhe por detalhe do sofá alvinegro importado da Itália, da mesa de designer famoso, da TV tão grande que, bobeasse, fazia mal às vistas. O conforto que sempre desejou para a esposa estava ali em cada pedacinho daquele bonito apartamento localizado na parte nobre da cidade.
Apagou a luz e se dirigiu para o quarto pé ante pé para não acordá-la. 
Deitou-se sorrateiramente e, com a ajuda de uma luz que escapava da fresta da janela, olhou aquela companheira de uma vida inteira. 
Tinham brigado mais uma vez. O que andava acontecendo com certa frequência, e o que parecia querer dizer alguma coisa.
Que era o maior responsável, ele sabia. 
Assumia cada centímetro da culpa. Desde quando eram muito jovens encasquetou que daria certo na vida. Ia lutar, lutar e lutar. Estudar, formar, arrumar um bom emprego e ser dono do próprio nariz. 
É verdade que de começo quase ninguém botava fé. Só ela, a amada, não só acreditava como dava-lhe asas aos sonhos. Ouvia com atenção os planos, incentivava cada passo e ajudava como podia. Se alguém o esnobava, ela aplaudia. Fosse ele pra luta que ela estaria ali, do seu lado, não importava o que acontecesse. Dava-lhe o suporte do amor incondicional.
Era bonito de se ver nos primeiros anos. 
O casal sem dinheiro, sem carro para passear, morando de aluguel. Viagem, só para o interior do país. Mas como era lindo! Celebravam cada conquista como se fosse a primeira. E ai de quem desfizesse do amor de sua vida. Ai de quem! Ela virava galo de briga. 
Às vezes, ele chegava em casa derrotado, injustiçado, pensando em desistir. Mas era justo aí, quando até ele duvidava dele mesmo que ela se mostrava o quão forte era capaz de ser. O quanto tinha certeza da capacidade dele. 
Que não desistisse, a hora ia chegar.
Como não há mal que perdure, depois de anos de intensa labuta as coisas enfim começaram a acontecer. 
Veio a primeira grande proposta de emprego, depois de coordenador, gerente e então sócio. Em coisa de dois ou três anos, o casal começou a contar com uma pomposa conta bancária e o sonho de uma vida inteira passou a ser real.
Mas também foi provavelmente aí que as coisas começaram a ficar diferentes. 
Os presentes, cada vez mais caros, foram tendo cada vez menos valor. As viagens, cada vez para mais longe, foram perdendo cada vez mais a graça. O dinheiro, cada vez maior, parecia cada vez mais insuficiente. 
Não podia negar, ela andava mesmo diferente. 
Enquanto os antigos desafetos passavam a reconhecer suas conquistas, era do apoio da companheira de que ele ressentia.
E foi ali, velando o sono dela, que ele desejou ter o poder de transmitir pensamento. Que ela não mudasse tanto assim. Que não virasse uma mulher comum, pois era especial, que não perdesse a ternura. 
Era muito doído vê-la sem paciência, a ponto de ir dormir sem se despedir dele. 
Podia perder tudo, não importava, menos o amor e a admiração da mulher da sua vida.
Antes de fechar os olhos ele se lembrou do tempo em que eram pobres. Das vezes em que ela deu seu colo para confortá-lo dos revezes da vida, colocando sua autoestima no alto do poleiro. Os dois sem dinheiro algum, sem carro para passear, sem casa própria, mas com a fé inabalável de que, fosse o que fosse, o amor e a admiração entre eles não iam mudar, até morrer.

Sentiu saudade do tempo em que moravam de aluguel.

Ellen Campos

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