quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Seu Dagô


Lembro do meu avô em dois estágios: um na minha infância e outro já na adolescência. O Seu Dagoberto da minha infância, pelo que posso recordar, era um homem muito sério, de cara fechada e muito calado.
Existem vários fatos que corroboram para que a minha lembrança seja, pelo menos em parte, verdade.
Um exemplo claro disso era que, quando Seu Dagô chegava, o nosso cachorro, um pequeno fila, que para mim na época deveria pesar uns 200 kg, procurava abrigo no seu canil.
Lembro também que meu irmão não era muito fã da cara amarrada dele... Chorava até não poder mais!
Outra memória interessante foi quando, por puro azar, tive um bicho de pé em uma das nádegas. Estava de férias no sítio dele e imaginem a luta que foi quando ele disse que iria tirar o danado somente com agulha e alcool... Corri léguas, mas não teve jeito:
-"Você é um homem ou saco de batatas?" - perguntava ele num humor quase sarcástico.
Aliás, essa foi uma das frases dele que me acompanham até hoje e provavelmente morrerão comigo.
Fui crescendo e minha opinião a respeito dele também. Começava a enxergar o homem sereno, honesto, trabalhador, honrado, culto e sábio. Foi também um pai e avô muito zeloso.
O engraçado é que só me lembro dos beijos dele com seu bigode em minha face já adolescente. Fazia questão.
Tratava as esposas e namoradas da família como um verdadeiro cavalheiro. Não me esqueço quando ele elogiou uma ex namorada dizendo:
-"Você é como um raio de luz na vida de meu neto!" A ex nem lembro quem foi, mas a frase ficou guardada para sempre.
Numa certa época, minha vó ficou muito doente. Foi a primeira vez que vi aquele exemplo de homem ficar abalado, aliás, a única vez que o vi chorando foi no dia em que ela morreu...
Passado algum tempo, ele conheceu uma senhora e passado mais algum tempo, resolveu se casar novamente aos 70 anos!
Foi nessa época que aflorou o avó carinhoso que guardo em meu coração, dos beijos, do sorriso fácil e de tiradas excepcionais! Seu Dagô conseguiu unir duas famílias distintas: a nossa e a de D. Wilma.
A maioria dos netos dela tiveram como avô o meu avô, Seu Dagô! Era impressionante ver o carinho dos meninos pela figura dele. Recordo como era bom caminhar com ele pelo Santa Tereza e assistir o espetáculo de cordialidade e simpatia que meu avô dava a todos que encontrava na rua: dona da lotérica, o barbeiro, a caixa da farmácia, o dono do bar na esquina... Todos o conheciam e o tratavam com um respeito e espontaneidade únicos!
Frases como: "A vida com batata frita é outra coisa!", "Não estou bem como você, mas nem tão mal como seus cachorros!", "Fí-lo porque quí-lo." e outras mais lembram a irreverência daquele que é meu ídolo.
Coube a vida fazer com que Seu Dagô adoecesse e, mesmo no auge da doença, o terrível Alzheimer, ele não perdia aquilo que foi característico dele: o amor incondicional pela vida. A última frase que escutei dele foi quando, ao perguntar o que ele queria no seu leito de hospital, ele me pediu para que abrisse a persiana para poder ver o céu incrivelmente azul daquela tarde, o último de sua longa vida: "-O céu hoje está para Brigadeiro. Azul, azul!"
Uma pessoa com uma vida maravilhosa como a dele não poderia ter outro fim a não ser aquele!
Hoje, ao me lembrar disso tudo, choro de saudade. Mas uma saudade de uma pessoa que perpetuarei em memória, seja em um livro, num nome de rua, de praça ou até mesmo só no meu coração!
Ao escrever esse texto pensei em pedir a todos que valorizem aqueles que os amam, incondicionalmente, pois um dia a vida se encarrega de tirá-los de nós...
Para todos que acham um saco visitar a família, saibam que eu trocaria tudo que tenho para receber aquele beijo com bigode novamente...
Minha homenagem ao homem mais incrível que conheci em toda a minha vida: Seu Dagô!

Saudades eternas...




5 comentários:

thati disse...

É interessante esse seu texto sobre seu avô. De uns tempos pra cá ando achando a vida cruel no que tange aos nossos relacionamentos com nossos avós. Eles quase nunca são realmente plenos, porque quase sempre ainda não temos a maturidade necessária para compreender a pessoa sensacional que eles são quando ainda estão próximos de nós, quando ainda teríamos tempo de demonstrar o quanto reconhecemos seus valores, suas regras, seus princípios, seus caprichos, enfim, tudo aquilo que faz deles tão únicos e especiais. Talvez nada disso nem fosse importante pra eles. Talvez bastasse que eles sentissem o quanto os amamos, mas nós nunca temos certeza de que demonstramos o suficiente, não é? Há momentos em minha vida que só o que me bastaria era o colo da minha avó, seu aconchego, suas doces mãos desfilando pelos meus cabelos... o que fazer? Acho que só dá pra conviver com as doces lembranças e celebrá-las nesses momentos de reflexão e lembranças.

Thati disse...

Lembrei de um texto do Guimarães Rosa. Veja só:
Fita verde no cabelo (Nova velha história)

Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita - Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar fambroesas.
Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores, que por lá lenhavam; mas o lobo nenhum, desconhecido, nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então ela, mesma, era quem dizia: "Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou". A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente não vê que não são.
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebeinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto passa por elas passa. Vinha sobejadamente.
Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque, bateu:
- "Quem é?"
- "Sou eu..." - e Fita Verde descansou a voz. - "Sou sua linda netinha, com cesto e com pote, com a Fita Verde no cabelo, que a mamãe me mandou."
Vai, a avó difícil, disse: - "Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus a abençoe."
Fita Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar apagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: - "Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo."
Mas agora Fita Vede se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
- "Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!"
- "É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta...." - a avó murmurou.
- "Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados".
- "É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta..." - a avó suspirou.
- "Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?"
- "É porque já não estou te vendo, nunca mais, minha netinha...." - a avó ainda gemeu.
Fita Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.
Gritou: - "Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!..."
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.
Thati

Andréa Lamana disse...

Nossa Eduardo,me fez relembrar várias atitudes e momentos que pude presenciar do Sr Dagô...
Realmente acolhemos e o recebemos com muito carinho, ele foi um companheiro fundamental para minha avó...
Me recordo de quando ele cantava uma musiquinha para minha filha....
Do Sr Lobo...kkkk
Um grande abraço a vc e sua família.

Marcus Padrini disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Marcus Padrini disse...

"O negócio é perguntar pela Maria..." rs Sem contar os lararis e lararás de quando passeava de carro com ele, sempre cantarolando.

Realmente, muitas saudades! Parabéns pelo texto. Abraço!

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